Jogos, brincadeiras e diversões antigas

Jogos, brincadeiras e diversões antigas

À noite, principalmente no Outono e Inverno, depois de concluídas as tarefas caseiras (feitas as camas ao gado, tirado o leite e levado ao Posto de Recolha – a leitaria -, posta a alimentação na mangedoira e arrumadas todas as alfaias agrícolas), enquanto a mãe fazia a ceia, o pai ou alguém da família brincava com as crianças.

Apresentam-se aqui alguns entretenimentos dos serões familiares.

No jogo que se segue, começava-se, geralmente, por pôr a criança mais nova, em cima dos joelhos, pegando-lhe pelas mãos e, levantando e baixando verticalmente as pernas, imitava-se o cavalgar dizendo:

Arre, burrito,

De Azeitão

Que os outros burritos

Também lá vão,

Carregados de feijão,

Para a feira

De Calvão. (1)

Arre, burro!

 

O jogo só ficava concluído quando todas as crianças, que o desejassem, tivessem passado pelas pernas do pai, da mãe ou de um dos irmãos mais velhos.

 

 

 

No jogo a seguir, o pai ou alguém da família representava com a criança, imitando os movimentos e o som da serra, serrote e traçador, uma situação muito frequente na vida diária daquele tempo: a serração manual de madeira.

 

_________________ (1) Calvão: freguesia do concelho de Vagos, contígua ao Seixo, onde se realizava uma feira todos os dias 2 e 17 de cada mês.

 

Esta ocorria quando se punham pinheiros ou outras árvores abaixo para lenha para a lareira doméstica, para a manufactura de alfaias agrícolas e domésticas, para os balseiros dos poços, para a construção ou reconstrução de casa e ainda para a construção dos barcos moliceiros. Neste caso, na ausência de meios mecânicos de serragem, sempre que era preciso cortar as árvores em tábuas ou barrotes, vinham os chamados sarradores de Balsas ou outros, especializados nesta arte. Posta a árvore abaixo, descascada, levantada em cavaletes próprios, marcados longitudinal e verticalmente com riscos vermelhos os cortes a fazer, bem afiada a enorme serra, um por baixo e outro por cima da árvore, os sarradores desenvolviam a sua difícil tarefa. Era dura e desgastante. E como tal, exigia uma alimentação abundante. Daí, que tenha ficado, como ponto de referência, a expressão “comer como um sarrador”, aplicada a qualquer pessoa que coma muito.

Na encenação, o par de jogadores, frente a frente, dava-se as mãos ou colocava- as nas orelhas um do outro e oscilava os corpos no movimento que imitava os ditos sarradores.

Sarra madeira

P´rà porta da eira.

Sarrar e andar,

Buscar cavaquinhos

P´ra fazer o jantar

P´r´àquela menina

Qu´ anda a trabalhar

Por cima do ar:

Tche! Tche!

Tche! Tche!

Tche! Tche!…

 

 

O jogo seguinte fazia-se estando os jogadores frente a frente, com as mãos nas mãos, os braços esticados e baloiçando o corpo para trás e para a frente, enquanto cantarolavam (1) :

________________

Tim! Tim!

Sárra, macaquinho,

Um hóme a fazer garrafas

E outro a vender licores

Tim! Tim!

Sárra, macaquinho.

 

Com as mãos nas orelhas um do outro, recitavam:

 

Tempo de guerra,

Batalha na eira

Palha, poeira,

Puxa, macaco,

Na tua orelheira.

 

Tentando explorar a capacidade de memorização e desenvolver o sentimento religioso das crianças, entre outras, ensinavam-se cantilenas religiosas como as que seguem: Padre-nosso pequenino

De quando Deus era Menino.

Sete anjinhos vão comigo,

Sete candeias a alumiar-me,

E o Senhor é meu padrinho

E a Senhora, minha madrinha.

Por que me fizeram a cruz na testa?

Para que o demónio não me impeça,

Nem de noite, nem de dia,

Nem ao pino do meio-dia.

Já os galos cantam, cantam,

Já os anjos se alevantam,

Já o Senhor vai p´rà cruz

Para sempre, amén, Jesus.

 

Quando me deito,

Abraço-me à Cruz,

Entrego a minha alma

Ao Menino Jesus.

 

 

Além do aspecto lúdico, estes e outros jogos (como a galinha da papoila, deita o anel pelo chão, as adivinhas, etc.) reforçavam os laços familiares e contribuíam, por vezes, para acabar com as birras ou com a sonolência que iria impedir a criança de se alimentar. Tinham ainda a vantagem de criar um ambiente de alegria e despertar a criança para a beleza da poesia no seu ritmo, rima e imagética de um mundo simples conhecido, que era enriquecido pela teatralização. Espevitavam a memória da criança e desenvolviam a sua fala e articulação da linguagem e desenvolviam as suas capacidades de dramatização e físico-motoras, ao mesmo tempo.

 

Em casa ou na rua, sozinhas ou em grupo, as crianças também jogavam alegremente: o pião, as pedrinhas (o bichouro), a cabra-cega, o lencinho, o salta carneirinho, a macaca, as queixas, o futebol com uma bola de meia e trapos ou com a bexiga do porco, os papagaios e os moinhos de papel, etc.. Faziam corridas a pé, com arcos, carrinhos ou motas de madeira.

À falta da variedade de brinquedos hoje comercializados, as crianças tornavam-se criativas inventando os seus próprios jogos e brinquedos. Imitavam as actividades dos mais velhos brincando aos pais e às mães, criando cenários religiosos com missas, sermões, reuniões, procissões e cânticos, lavrando as terras e abrindo poços com caçambas, etc.. Qualquer pau entre as pernas, segurado com as mãos e tocando o chão à retaguarda, já era uma acharrua ou arado puxado pelo animal que se representava e que obedecia às vozes de éche!, Aí,óuh! , Vira! Tenta-se fazer, a seguir, a descrição mais pormenorizada de alguns desses jogos:

 

 

Em “ O primeiro da bela moira ”, os jogadores deviam saltar por cima de colegas com o tronco dobrado, cada um dizendo, por ordem ascendente, um dos números até trinta, sem se enganar (finalidade pedagógica), e executando alguns gestos de acordo com o que se dizia. Assim:

 

O primeiro da bela mo(e)ira.

Duas: das pernas cruas

Três: dos pelingrinos

Quatro: um pulo bem alto ( saltava o colega sem apoiar as mãos nas costas )

Cinco: lá t´os finco. Ou: lá te ferro um brinco. ( saltava e picava ou repuxava as costas do colega com a ponta dos dedos .)

Seis: Maria dos Reis
Sete: lá t´a (o) deixo ou um burro t´espete! ( ao saltar, deixava a boina ou boné em cima das costas do colega )

Oito: leva o mocho ( levava a boina ou o boné )

Nove: Quem padece é o pobre.

Dez: tira as carrasquinhas aos pés: um, dois, três ( bate palmas )

Onze: maquinação de bronze.

Doze: agarra na agulha e cose

Treze: costas. ( batia com as palmas das mãos, com força, nas costas do colega )

Quatorze: mont´ó burro. ( saltava para cima das costas, ficando aí um pouco sentado )

Quinze, quinze: palminhas, arroz e camarinhas ( ficava sentado em cima das costas do outro enquanto batia palmas três vezes ).

Dezasseis: das bolotas
Dezassete: dos canivetes

Dezoito: das navalhas

Dezanove: dos coletes

Vinte: dos casacos

Vinte e um: bate o cú. ( ao saltar, batia com o rabo – dava uma cuzapeirada – nas costas do colega .)

Vinte e dois: das ceroilas
Vinte e três: das melancias

Vinte e quatro: dos melões

Vinte e cinco: acaba a bela brincadeira.

Vinte e seis: atira o farrapo à estrumeira. ( atirava a boina ao ar e tinha de a agarrar. )

Vinte e sete: é pr´a fazer o coxo. ( depois de saltar devia dar 3 passos só num pé, a pé coxinho ou a selim ca pé = solum cum pede )

Vinte e oito: é p´ra correr. ( depois de saltar, corria. )

Vinte e nove: é p´ra ficar. ( saltava e, ao cair, ficava quêdo )

Trinta: é p´r´àcabar.

 

 

 

Quanto ao jogo do botão , pobres das mães gandaresas!… Quantas vezes, em horas extremas, elas eram confrontadas com a necessidade de os pregar na roupa, sem saberem onde os ir buscar, porque os filhos os tinham arrancado e perdido no referido jogo. Feita a covicha no chão, à distância estipulada da parede, todos os jogadores arremessavam as marcas ( botão com determinada forma e propriedades mais saltitantes) contra a parede, fazendo-as ressaltar na direcção da covicha. Medida a palmo a distância de todos os botões jogados, quem tivesse ficado mais longe da covinha era castigado com a perda de um botão que iria para a covicha. As jogadas repetiam-se até que a “marca” de algum dos jogadores, ao ressaltar, tivesse a sorte de entrar directamente na covicha. O felizardo recolhia então todos os botões que lá estivessem. O jogo repetia-se num contínuo perde-ganha. Nem todos os botões tinham o mesmo valor pelo que, conforme o tamanho e qualidade, os jogadores tinham de chegar a consenso sobre o valor de cada botão.

 

No salta-carneirinho cada jogador, enquanto elemento passivo, devia colocar-se a uma certa distância linear do elemento seguinte, de costas inclinadas, o mais alto possível, com a cabeça bem debruçada para o peito. Enquanto elemento activo, teria de saltar por cima de todos colegas na posição mencionada, dizendo as palavras salta-carneirinho, ouvindo, em seguida, do outro a expressão “a cabeça é minha”. Por vezes, o jogador passivo era maroto: baixava as costas no momento do salto e era a inevitável aterragem!… Quem não conseguisse realizar o salto passava imediatamente a jogador passivo, só voltando a ser activo depois de todos terem saltado por cima dele. O jogo repetia-se até à saciedade ou à chamada do professor “para dentro!”.

 

 

O jogo do pião e da cataca (pião muito mais largo que alto, com maior estabilidade, e que rodopiava mais sereno) tinha três modalidades: à ninha, ao casola bota-fora e do ar à mão. Normalmente, ao atirar-se, dizia-se: “Zurra, pião, que amanhã é Verão!” o que deixa entender que durante as férias do Verão não se jogava o pião: tinha de se ajudar os pais. E, no fim, conforme a época do ano, dizia-se “Viv´ó Natal!”, “Viv´ó Entrudo!”, “Viv´á Quaresma!” “Viv´á Páscoa!”

 

A ninha era mais simples e consistia em jogar o pião fazendo chispe, i.é tentando acertar no do colega, (bicando-o = dando-lhe uma ninha) enquanto ainda rodopiava no chão e assim sucessivamente.

 

No casola bota- fora, fazia-se uma espécie de circunferência no chão e atirava-se para lá o pião de modo que este ao parar se encontrasse já fora do círculo – a casola – (o pião remanseava = ao deixar de girar, tombava e, deitado, deslizava de barriga um certo espaço). Caso contrário, perdia e era castigado com a sua permanência na casola (o pião morto) sendo alvo das bicadas dos piões dos restantes jogadores que, em cada arremesso, contra o pião de castigo, tinham de dar uma estocada de pontaria directa ou indirecta, após o ter pilhado , i.é com um golpe rápido de agilidade,fazer saltar o pião ainda em giração, entre os dedos indicador e o pai-de-todos, do chão para a palma da mão. Se não conseguisse tocar com o seu pião em movimento no pião morto, perdia e o seu pião passava a ser castigado até que um colega o tirasse da casola com uma estocada do seu pião em movimento.

 

Havia outra modalidade em que, numa primeira jogada, se estabelecia a ordenação dos jogadores: o primeiro era aquele cujo pião ficasse mais perto do centro da casola; e o último (que ficava com o pião morto), aquele cujo pião ficasse mais longe. Iniciava-se então o percurso estabelecido: os sucessivos piões de castigo, à vez, teriam de percorrer arrastados, com estocadas directas ou da palma da mão, a distância de ida-volta antes combinada pelos jogadores cujo término era assinalada com um risco no chão. O dono do pião castigado tentava contrariar arrastando o mais que pudesse, na sua vez, o pião em direcção inversa aos outros jogadores, dificultando a chegada do pião à casola. O pião que desse entrada na casola perdia e o jogo terminava. E ai do pião que perdesse!… Todos os jogadores vencedores aplicavam a

 

 

sanção das bicadas (ninhas) combinadas. Escusado será dizer que o infeliz saía de lá todo escavacado.

 

Na terceira modalidade, faziam-se os artísticos lançamentos de destreza de o pião do ar à mão, que consistia em, após o lançamento, com a mão, apanhar o pião ainda rodopiando no ar, antes que ele caísse no chão. Outra habilidade era conseguir ter o pião a girar na unha do mata-piolhos.

 

Quanto à macaca , mais jogada pelas meninas, era um jogo de destreza corporal e de concentração. Jogava-se com um seixo plano e arredondado ( a chata ) que se ia atirando em sucessivas jogadas para cada compartimento: o começo, o descanso, as orelhas, a vizinha e a casola ou cachola. Assim, na primeira jogada, atirava-se a chata para o primeiro rectângulo ( o começo ) e saltitando só com um pé (a selim ca pé = a pé coxinho) tinha que se ir lá buscá-la, tocando-a para fora com a ponta dos dedos do pé em serviço. De seguida atirava-se para o 2º rectângulo (o descanso), indo lá buscá-la segundo o processo anterior; aqui deviam poisar-se os dois pés e dizer “Descanso!”. Na terceira jogada, atirava-se a pedra para as orelhas, sendo obrigatória levar a chata a ambas as orelhas e trazê-la de regresso para fora, passando pelas divisões anteriores. E assim sucessivamente até à casola ou cachola. Como se conclui, o grau de dificuldade do jogo ia aumentando progressivamente. As principais regras do jogo eram que , excepto no descanso, nunca se podiam pôr os dois pés no chão ( a deslocação era a pé cochinho) nem com estes pisar qualquer risco, e que a chata, no seu lançamento tinha de cair na divisão pretendida, sem nunca poder também tocar qualquer dos riscos das diferentes divisões. Se alguma destas situações acontecesse, o jogador era penalizado perdendo a sua vez até que todos os outros tivessem jogado. Finda a primeira parte do jogo ( o regresso da casola sem penalisações), procedia-se à seguinte interpelação do jogador concorrente:

 

– Fora ou dentro? ( Fora ó dente ?)

– C´um!

Procedia-se, então, ao lançamento da chata, de fora do começo para fora da casola, mas de tal modo que o jogador, saltando da casola, a conseguisse depois pisar com o pé. Repetia e contabilizava, com riscos no chão, estas jogadas até falhar. Ganhava o jogador que tivesse conseguido fazer todo o exercício completo o maior número de vezes.

 

O jogo das pedrinhas, boleirinhas, ou do bichoiro jogava-se por etapas, com 5 pedrinhas ou berlindes, em duas modalidades: jogo limpo, onde o jogador não podia falhar; ou jogo porco, onde eram toleradas algumas falhas. A parte de destreza do jogo é feita só com uma mão; a outra, serve só para depósito das pedrinhas ou para armar a pontinha ou cabanal onde se devem introduzir as pedrinhas.

Na 1ª etapa, o jogador espalhava, ao acaso, as 5 pedrinhas pelo chão. Agarrava, com mão direita ou esquerda (conforme é direito ou canhoto), uma das pedrinhas e, enquanto a atirava ao ar, baixava a mesma mão vazia e recolhia uma 2ª chão; rapidamente virava e abria a mão, levantava o braço e agarrava, na queda, também a pedrinha que tinha atirado ao ar, segurando-as ambas na mesma mão. Passava a 2ª pedrinha recolhida do chão para a mão que não estava a jogar. Pelo mesmo processo, apanhava, sucessivamente, do chão a 3ª, a 4ª e a 5ª pedras. No passo seguinte, fazia como no anterior, mas recolhia duas pedrinhas de cada vez. A seguir recolhia 3 de uma vez e a que ficava na vez seguinte. Finalmente, pelo mesmo processo, apanhava de uma só vez as 4 que estavam no chão. Quando recolhia várias pedrinhas, se o acordo prévio era de jogo porco, era-lhe permitido não apanhar o número estipulado de pedrinhas todas de um só golpe; podia fazê-lo em dois movimentos. Se o acordo prévio era de jogo limpo, perdia a sua vez de jogar se não conseguisse apanhar de uma só vez o número estipulado de pedrinhas.

A 2ª etapa tinha o nome de chapa. O jogador tinha as 5 pedras na palma da mão, lançava uma ao ar, poisava as 4 restantes no chão e recolhia a que tinha atirado ao ar; lançava, depois, novamente uma ao ar, recolhia as 4 que estavam no chão e apanhava a que tinha sido atirada ao ar, recolhendo as 5 na mesma mão.

A 3ª etapa tinha o nome de ponte(-inha) ou cabanal. Com o pulso levantado, poisavam-se as pontas dos dedos no chão, separando-os ligeiramente. Espalhavam-se as pedrinhas ao acaso pelo chão, agarrava-se numa que se atirava ao ar. Enquanto esta fazia o seu movimento de sobe-desce, introduzia-se rapidamente com a mão uma das pedrinhas do chão, no espaço entre o polegar e o indicador, sem deixar cair no chão a que se tinha atirado ao ar. A operação repetia-se para cada uma das restantes pedrinhas do chão, que deveriam ser introduzidas nos espaços entre os dedos seguintes. A 4ª etapa: tinha o nome de quita ( sinónimo de “deixa”). O jogador adversário dificultava a jogada, indicando a pedrinha que devia ser introduzida em último lugar e na qual nenhuma das outras podia tocar, ao ser introduzida. A mão estava como na etapa anterior com a ponta dos dedos no chão. Espalhadas novamente as pedrinhas pelo chão, enquanto se lançava a pedrinha ao ar, devia-se introduzir rapidamente uma pedrinha, sem tocar na quita, pelo buraco entre o polegar e o indicador. Nunca se podia deixar cair no chão a pedrinha que se atirava ao ar. Com a mesma técnica, introduziam-se uma a uma as restantes, sendo a quita última a entrar.

Na 5ª etapa, com a mão do jogo, lançavam-se, de um só golpe, as pedras todas ao ar. Depois, com as costas da mesma mão ou entre os dedos, tinha de se apanhar, ao caírem, pelo menos uma das pedrinhas. Se tal for conseguido o jogo recomeçava de novo, só podendo o outro parceiro jogar quando o jogador de serviço tiver cometido alguma falta.

 

 

Jogar às queixas consistia em, num grupo de crianças, uma ficar num determinado sítio (a casola ou o coxo: talvez assim chamado devido ao desenho de uma circunferência que não ficaria lá muito perfeita, no chão, com um dos pés) que era desenhada por todos, cantarolando:

 

“Quem não faz o seu quinhão (1)

É o filho de um ladrão.

Quem não faz o seu quinhão

É o filho de um ladrão

 

Uma criança, tapando os olhos com as mãos, contava até ao número combinado, enquanto as outras se escondiam. Terminada a contagem, a criança partia, então, à procura das que se tinham escondido. Estas, quando descobertas, saíam dos seus lugares e corriam tentando chegar ao coxo, sem se deixarem tocar ou agarrar pela que tinha ficado no coxo, que corria atrás delas. Caso isto sucedesse, esta gritava “já te piquei!” e a última a ser tocada ou agarrada tinha que levar a colega às cavalitas até ao coxo e era esta que ficava a contar e a agarrar na próxima jogada.

Vide Música ANEXO X
O trinta e um brasileiro era parecido com as queixas, mas aqui não era preciso tocar ou agarrar; bastava ser-se visto para se perder. A criança do coxo contava até trinta e um com olhos fechados e dizia: – “tinta e um brasileiro, quem está atrás de mim não ganha cavaleiro!” As outras entretanto, tinham-se escondido. Ela partia então à sua descoberta.

 

Os quentes consistia em um jogador esconder um objecto (normalmente um cinto, uma correia) e os outros tentarem encontrá-lo. O escondedor ia dando indicações aos que procuravam sobre o afastamento ou proximidade em relação ao objecto, dizendo “estás gelado, estás frio, estás morno, estás quente, estás a ferver!”. O primeiro que encontrasse o objecto corria atrás dos outros, castigando-os com o objecto achado.

 

 

No jogo da farinha boa , os intervenientes eram a mãe, a filha e o sacos de farinha. Era considerado saco de farinha boa aquele que a mãe indicava por meio de gestos ou mímica. A mãe estava sentada e com as mãos tapava os olhos da filha que estava ajoelhada diante de si e debruçada sobre o seu regaço. Os sacos de farinha (os outros participantes) dispunham-se em fila diante da mãe. Esta, por meio de gestos ou mímica, indicava a um dos sacos de farinha que viesse tocar na filha/o. Este deslocava-se silenciosamente, sarrapicava-lhe o cú e regressava ao seu lugar. A mãe dizia então à filha/o: ”Vai buscar a farinha boa”. A filha devia trazer o participante que lhe tinha tocado. Caso não acertasse, tinha de trazer às cavalitas para junto da mãe os sacos de farinha que fosse falhando. Caso adivinhasse, ganhava o jogo e ia ocupar o lugar do outro saco que passava a ser a filha/o. O jogo exigia, pois, ao interveniente procurador muita concentração e capacidade de observação mediante os restantes sentidos, excluída a vista.

 

O Zé Xado consistia num tripé de paus colocados no chão, encostados uns aos outros. Os jogadores, munidos de um pequeno pau, faziam o seguinte diálogo antes do jogo:

Jogador 1: – Quem guarda o Zé Xado?

Jogador 2: – Está cá quem.

Jog. 1: – E se lhe for à testa?

Jog. 2: – Fará muito bem!

 

O jogador 1 atirava então o seu pau, tentando acertar no Zé Chado, derrubando-o. Caso acertasse, corria de costas, afastando-se do Zé Chado, devendo o jogador 2 ir alcançá-lo e trazê-lo às cavalitas até ao Zé Chado.

 

 

O jogo do valadinho consistia em um par construir um valado (uma pequena e comprida elevação de terra) escondendo objectos ao longo do seu comprimento, sem o outro ver. Dividiam o valadinho em pequenas partes e combinavam o prémio que seria para aquele que encontrasse primeiro o objecto escondido pelo outro concorrente. Iam a sortes e o primeiro tentava a sua fortuna desfazendo um dos pequenos montículos. Se não acertasse era a vez do outro. E assim, alternadamente, até se ganhar.

Contou uma senhora que este era um processo de, por vezes, determinar quem namorava com quem, sendo os anéis os objectos escondidos, neste caso. E a troca de anéis, por este processo, era então uma espécie de compromisso que podia perdurar até ao dia do casamento e, caso este não se efectuasse, o outro perdia o direito ao objecto que tinha arriscado.

 

 

O jogo da péla a amarela ou pega a amarela ia um pouco na linha do anterior. Com uma mão atrás das costas, o jogador atirava um objecto ao ar (normalmente, uma laranja), batia com a palma da mão no chão, voltava-a e apanhava o objecto na sua queda, atirando-o novamente ao ar e assim sucessivamente, enquanto dizia:

 

Péla a amarela!

Quantos anos

Há-de andar

O fulano/a

Para se casar?

Há-de andar um,

Há-de andar dois.

Há-de andar…

 

O jogo durava enquanto o jogador não deixasse cair o objecto ao chão.

Além de jogar, as crianças, seguindo as antigas sentenças que dizem que “É de pequenino que se torce o pepino” e que “o trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco”, dada a não obrigatoriedade de frequência da escola, começavam de bem tenra idade a ajudar os pais nas actividades domésticas e agrícolas. Acarretar água com o balde, ir à fonte e ir à “loje”, acarretar lenha para a lareira, ajudar na cozinha descascando as batatas e fazendo a fogueira, ir às agulhas, à lenha e às pinhas nas florestas das matas nacionais ou nos pinhais particulares, andar pelos caminhos e estradas com um cesto a ajuntar os excrementos dos animais (andar à bosta c´um cesto) para enriquecimento dos solos agrícolas, tratar do gado e lidar com ele, tocar os bois nos engenhos no tempo das regas… eis algumas tarefas que acompanhavam o percurso escolar primário da quase totalidade dos alunos.

E tudo isto contribuía para um desenvolvimento harmónico, para a aprendizagem das regras de comportamento, para a socialização, para o desenvolvimento intelectual e das capacidades psicológicas e físico-motoras.

Mas nem todos frequentavam a escola e poucos o faziam até concluir o exame da 4ª classe (2.º grau).

 

Em famílias com “ninhadas de filhos”, com empregos nulos nos sectores secundário e terciário, e com solos agrícolas extremamente depauperados de húmus, arenosos, secos e totalmente permeáveis às águas das chuvas e das regas, só a agrura do trabalho, mais que de sol a sol, de todos os membros da família realizava o milagre do pão de cada dia e, em anos bons, de algum pequeno pé-de-meia que permitia fazer face aos problemas que se apresentassem nas incertezas da vida. Era, então, o leite das vacas que podia valer em tais situações. E o seu transporte para os Postos de Recolha, em primeiro, e, posteriormente, a ida com as vacas às ordenhas permitiam aos (pré)-adolescentes e jovens algum relaxamento das pesadas tarefas diárias.

 

Também as idas com o cântaro à Fonte do Seixo, os serões de rasgadelas de trapos para as mantas e passadeiras da casa feitas nos teares pelas tecedeiras locais; as tardadas trocadas em actividades agrícolas, as cavadelas, as sementeiras e apanha das batatas e milhos, as segadelas dos cereais, os serões das desfolhadelas com o luar de Agosto e Setembro, as malhadelas do milho, do trigo e da cevada, as esferroadelas, os barreiros, etc. eram momentos em que se associava à dureza do trabalho a alegria do são convívio, sempre enriquecedor do espírito individual e comunitário, pelos laços de amizade e entreajuda que a tarefa comum provoca. Eram estes trabalhos que permitiam um certo convívio, despertando, por vezes, paixões e namoricos.

Toda esta vivência comunitária dos dias de trabalho semanal, era cimentada aos Domingos e Dias Santos. Primeiro, depois do jantar – assim se chamava à refeição do meio-dia -, pelos ajuntamentos da juventude na rua, onde havia lugar para jogos e danças de roda. Depois, pela frequência dos actos de culto e devoção na Igreja paroquial. Era daqui, à saída da reza do terço e após um breve convívio geral, que se formavam os pares de namorados que faziam o caminho de regresso até a casa da rapariga, onde o senso comum permitia que estivessem a namorar até ao anoitecer, anunciado pelo toque de Trindades. E desta dinâmica nasciam os novos lares.

 

Adaptado de A CASA GANDAREZA EM SEIXO DE MIRA: sua vida, usos e tradições de Maria Isabel da Conceição Oliveira das Neves